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26 de Abril de 2024
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    Seminário busca dar visibilidade à população em situação de rua

    No encontro, organizado pelo Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção aos Direitos Humanos, em parceria com Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional, foi discutido o acesso aos direitos fundamentais – vida, segurança, alimentação trabalho e moradia – pela população em situação de rua de Curitiba. Para tanto, foram feitas exposições de vários profissionais que têm atuação marcante na área.

    Ato de solidariedade – A abertura do encontro foi conduzida pelo procurador-geral de Justiça Gilberto Giacoia, que em sua fala destacou a necessidade de atenção e resgate a esse segmento da população. “São seres humanos sujeitos a um processo de exclusão devastador. Assim, para além de discutir a atuação formal do Ministério Público, esse seminário se coloca como um ato de solidariedade, compreensão e comprometimento político e ideológico”, afirmou.

    Na sequência, o coordenador do Caop, procurador de Justiça Olympio de Sá Sotto Maior Neto, destacou que o Ministério Público do Paraná sempre se colocou como parceiro do movimento, sendo pioneiro no país na criação do primeiro Núcleo de Promoção dos Direitos da População em Situação de Rua. “O tema deste evento também poderia ser Da Invisibilidade à Cidadania, porque, por meio dele, o MP abre portas, mentes e coração para que este seja o espaço de discussão para promoção dos direitos da população em situação de rua.”

    A mesa de abertura foi composta ainda por Leonildo José Monteiro Filho, representante do Paraná junto à Coordenação Nacional do Movimento da População de Rua, pelo procurador de Justiça Marcos Bittencourt Fowler, integrante do CAOP e pelos promotores de Justiça Eduardo Valério, coordenador do Núcleo de Políticas Públicas do Ministério Público de São Paulo, e Fernando Mattos, coordenador do Núcleo Pop Rua do MP-PR, que participaram, juntamente com o promotor de Justiça, Paulo Tavares, do primeiro painel, com o tema “A atuação do Ministério Público na proteção dos direitos humanos da população em situação de rua”.

    Direitos humanos – Eduardo falou da busca por uma atuação efetiva do MP em relação à população de rua. Ele destacou a importância de uma nova abordagem por parte dos membros do MP para lidar com a questão, citando a necessidade de conhecimento da realidade social, de noções de psicologia, de agregar as capacidades de articulação, diálogo e pensamento estratégico. “Tudo isso deve ser somado para induzir, mediar e fiscalizar a implantação de políticas públicas para a população de rua. Ressaltou ainda um último ponto: a necessidade de ser evitar a judicialização. “Quando fazemos isso, passamos de agentes a terceirizadores do problema”, afirmou o promotor de MP-SP.

    A judicialização também foi apontada como algo a ser evitado pelo promotor de Justiça Paulo Tavares, do MP-PR, que apresentou no seminário a experiência positiva de Londrina na atuação com moradores de rua. “Perdemos a chance de resolver quando judicializamos”, avalia. Ele contou que na comarca perto de 80% das demandas relativas à população em situação de rua têm sido atendidas de forma administrativa. Com isso, o MP-PR conseguiu garantir o acesso dos moradores de rua ao restaurante popular do Município, bem como a programas de moradias populares.

    No mesmo painel, o procurador de Justiça Marcos Bittencourt Fowler reforçou a importância do tema do seminário. “Nossa intenção em promover um evento no MP-PR, trazer a população de rua e estabelecer prerrogativas de atuação é uma conquista. A ideia é abrir cada vez mais o Ministério Público a essa temática”, afirmou. Ele também retomou o início do trabalho específico do MP-PR junto à população em situação de rua. “Começamos esse percurso em 2008, de buscar a aproximação com esse público. E ninguém veio bater em nossa porta, eles não vinham nos demandar: fomos atrás, nos colocamos à disposição”, relatou. “Sabemos que os desafios ainda não estão vencidos, há muito o que se fazer, mas hoje vemos com satisfação a realização de um evento como esse, o compartilhamento de experiências positivas”.

    Encerrando o painel, Leonildo José Monteiro Filho, representante do Paraná na Coordenação Nacional do Movimento da População de Rua, falou de avanços e pontos a serem superados. “Somos o único Estado em que o Movimento tem acesso à formação de policiais. Isso tem levado a abordagens feitas com mais dignidade. A relação nas unidades de acolhimento em Curitiba também melhorou”, relatou. “Mas aqui ainda não conseguimos acesso ao restaurante popular. A falta de banheiros públicos gratuitos também permanece”, contou. Ele citou ainda o problema da violência, dos casos de moradores de rua mortos que não são devidamente apurados, e as dificuldades de inserção desse público no mercado de trabalho e em programas de moradia. “Temos a porta de entrada para o acolhimento, agora devemos pensar nas portas de saída, para que as pessoas possam deixar as ruas.”

    Habitação – Na primeira mesa da tarde, coordenada pelo promotor de Justiça Odoné Serrano Jr., sobre “O acesso da população em situação de rua a políticas públicas de habitação”, a professora da Universidade Positivo Giovanna Milano afirmou que a questão habitacional tem um percurso histórico extremamente segregador no Brasil. “Há lugares da cidade pensados e permitidos para os pobres e outros para os que não são pobres”, criticou. A palestrante ressaltou que o direito de morar sempre esteve desnecessariamente vinculado à ideia de aquisição da casa própria. “Há uma pluralidade de necessidades que exige uma solução também plural”, defendeu, explicando que deveria haver alternativas, como, por exemplo, equipamentos voltados às pessoas em situação de rua crônica e “repúblicas”, além de moradias individuais. Outra solução seria a “locação social”, com a construção de moradias pelo poder público, que cobraria aluguel conforme a capacidade de cada morador. Ela ressalvou, entretanto, que a discussão de espaços privados para a moradia não pode estar desvinculada da discussão sobre o direito de permanecer nos espaços públicos. “A remoção forçada é grave”, declarou.

    O professor Thiago de Azevedo Pinheiro Hoshino, assessor jurídico do Caop de Habitação e Urbanismo, destacou que o enfrentamento dos problemas da população em situação de rua passa por três “fronts”: a luta contra o aumento da situação involuntária de rua por falta de políticas públicas que previnam isso; o direito de permanência da população em situação de rua, quando voluntária; e o direito de acesso às políticas públicas de habitação de interesse social, contemplando a heterogeneidade das soluções e a intersetorialidade. “A população em situação de rua precisa participar da definição das políticas públicas de habitação”, sustentou, afirmando que essas políticas têm que ser pensadas de forma muito mais ampla do que simplesmente dar moradia.

    Leonildo José Monteiro Filho, membro da coordenação nacional do Movimento da População em Situação de Rua, disse que a população de rua vê com bons olhos as moradias transitórias. Ele apresentou dados frustrantes sobre o acesso da população em situação de rua a moradias pelos programas governamentais. Informou que, em cinco anos, foram apenas cerca de 400 casas pelo programa Minha Casa, Minha Vida e nenhuma via Cohapar. “É vergonhoso”, lamentou, justificando que “ter uma cama, um pouso e um local para banho é ter dignidade”. Entretanto, lembrou ele, não basta dar acesso à moradia. É preciso pensar em como o novo morador pagará o condomínio, a prestação do imóvel, água e luz por exemplo. Além disso, considerando que, muitas vezes, essas casas ficam na periferia, como o trabalhador poderá se locomover até o seu local de trabalho? Nesse sentido, explicou, um programa como o Minha Casa, Minha Vida não resolve o caso da população de rua. “É preciso preparar o morador antes”, disse, defendendo que haja uma bolsa para as despesas de moradia enquanto o morador se qualifica – e, para isso, é preciso haver programas específicos.

    Saúde – A segunda mesa, presidida pelo promotor de Justiça Willian Lira de Souza, discutiu o tema “População em situação de rua e o direito à saúde”. A coordenadora do Programa Consultório de Rua de Curitiba, Adriane Wollmann, fez um relato sobre o trabalho dos consultórios de rua da Secretaria Municipal da Saúde, que leva atendimento da população em situação de rua. O trabalho foi implantado em 2013, em consonância com as portarias 122 e 123 do Ministério da Saúde. São quatro equipes, formadas por assistente social, psicólogo, enfermeiro, auxiliar de enfermagem e auxiliar de saúde bucal, além de dentista e médico que se revezam entre as equipes. A palestrante informou que pessoas em situação de rua têm direito a cadastro definitivo em unidade de saúde de sua escolha, sem necessidade de apresentação de documento com foto ou comprovante de residência.

    Em seguida, o técnico em enfermagem Maurício Pereira, do Movimento da População em Situação de Rua – Paraná, fez um relato de sua trajetória de vida. Contou que acabou indo para a rua por conta das drogas, que o fizeram romper vínculos familiares e de amizade. Ele saiu das ruas a partir do contato com serviços como o Caps, o Centro Pop e o Resgate Social. “Contar minha trajetória mostra que a população em situação de rua tem inúmeras faces, inúmeros motivos, e são pessoas com sofrimento mental, uso intenso de drogas e álcool, mas pessoas que precisam de todo o apoio do Sistema Único de Saúde”, declarou. Maurício defendeu que a população de rua precisa de serviços e equipamentos que vão além da atenção básica, que deem atendimento psicossocial e acolhimento. Entretanto, sua maior queixa foi em relação ao preconceito, que impede que a população de rua tenha acesso ao atendimento. “A segurança nos impede de entrar porque estamos bêbados, drogados, fedidos ou com algum transtorno mental. E os profissionais de saúde também, muitas vezes, atendem com preconceito e aversão”, lamentou.

    Mulheres e crianças – A mesa “Mulheres, crianças e adolescentes em situação de rua”, dirigida pelo promotor de Justiça Régis Rogério Vicente Sartori, foi aberta pela diretora de Proteção Social da Fundação de Ação Social (FAS), Ângela Mendonça. Ela fez um relato sobre os serviços públicos de atendimento à população de rua (Cras, Creas, Centros Pop, Condomínio Social, Casas de Passagem e outros). Para mostrar como há forças contrárias aos direitos dessa população, contou a dificuldade encontrada para alugar um imóvel voltado ao atendimento à população de rua: ela precisou visitar 52 imóveis para conseguir alugar dois. Os proprietários, frequentemente, recusam-se a locar o imóvel quando informados sobre o uso que lhes será dado.

    O fundador da Chácara Meninos de 4 Pinheiros e articulador do Movimento de Meninas e Meninos de Rua, Fernando Gois, contou sua atual experiência como morador de rua na capital paulista, onde está vivendo há nove meses. Gois trabalha em no projeto “Restaura-me”, da Igreja Católica, que atende 800 moradores de rua, inclusive na “Cracolândia”. Sua fala, emocionada, pode ser resumida na frase: “Nós, moradores de rua, somos seres humanos, mas somos tratados de forma desumana”. Afirmou que a maior necessidade de quem vive na rua é ser tratado como ser humano. Ele criticou asperamente o excesso de filas a que são submetidos. A partir de sua experiência, indicou as ferramentas necessárias para o trabalho com essa população: perdoar, acolher, ouvir, cuidar, transformar. Contou que, nas primeiras vezes em que foi à Cracolândia, não sabia o que fazer quando viu a triste situação daquelas pessoas. “Depois, lembrei que poderia fazer três coisas: sorrir, abraçar e beijar as pessoas”. Terminou declarando que “a missão do educador moderno é irrigar os lugares mais secos”.

    Em depoimento também emocionado, outra representante do Movimento da População em Situação de Rua – Paraná, Sara de Oliveira de Assis, falou a partir de sua experiência nas ruas. Disse que, para a mulher nessa situação, há duas saídas mais imediatas: a prostituição ou a submissão a um companheiro que muitas vezes a agride e a tem como posse. Contou que a mulher, na rua, sofre todo tipo de agressões. Defendeu a criação de locais de atendimentos especializados que contem com atividades que gerem renda. Sara relatou que quis sair das ruas por causa de sua filha (levada pelo Conselho Tutelar) e conseguiu porque teve alguém que a escutou. Num dia em que pensava em suicídio, encontrou uma ambulância do Consultório de Rua. “Ali me trataram com todo amor e carinho. Pela primeira vez, fui ouvida. A enfermeira sentou do meu lado e disse: ‘Me conte toda sua história, eu sou seu ombro amigo’. Contei tudo”. A partir daí, ela conseguiu sair das ruas, voltou a estudar e resolveu tornar-se militante do movimento, para ajudar outras mulheres na mesma situação.

    Políticas públicas – O promotor de Justiça Fernando da Silva Mattos e o procurador de Justiça Marcos Bittencourt Fowler dirigiram a última mesa do evento, que tratou de “Políticas públicas de assistência social para a população em situação de rua”. No painel, a diretora do Departamento de Planejamento e Gestão na Subprocuradoria de Planejamento Institucional do MP-PR, Denise Ratmann Arruda Colin, falou sobre o Sistema Único de Assistência Social (Suas) e apresentou os marcos legais da política de assistência social. Defendeu a necessidade de uma articulação intersetorial para dar conta de atender as 130 a 150 mil pessoas em situação de rua, conforme os números atualmente estimados dessa população no Brasil.

    Valdenice Fani, do Movimento da População em Situação de Rua – Paraná, questionou por que não são atendidos os direitos da população de rua. Afirmou, entretanto, que as mulheres, dentro dessa população, antes eram invisíveis, e agora estão sendo vistas. Ressaltou a importância da escuta: “As pessoas que estão na ponta, atendendo a população de rua, têm que estar capacitadas e atender com amor.” Disse que, se não forem sensibilizadas a fazerem isso com amor, acabarão por afastar a população de rua. Ela pediu que as instituições de acolhimento ofereçam trabalho, educação, estudos. “Tem que ter oficinas e cursos profissionalizantes, a população de rua pede isso”, declarou.

    O assessor técnico da presidência da Fundação de Ação Social (FAS), Antônio Carlos da Rocha, falou sobre a evolução dos serviços oferecidos pela FAS. Informou que a instituição oferece atualmente quase 1 mil vagas para acolhimento e disponibilizou nove equipamentos novos desde 2013, com aumento do número de cadastrados na FAS e de pessoas em situação de rua atendidas pelo Programa Bolsa-Família. Ressaltou ainda que, graças à atuação da instituição, desde 2013, não houve mais nenhuma morte de pessoa em situação de rua por conta do frio, o que antes era comum.

    Violência – O evento foi encerrado com palestra do antropólogo Tomás Melo sobre o tema “População em situação de rua e a atuação dos agentes de segurança pública”. Segundo ele, um dos principais desafios hoje é impedir a morte da população de rua. “Como acabar com o extermínio?” – questionou. O palestrante apresentou dados de uma pesquisa que realizou para identificar as representações da população de rua. A partir da consulta a laudos cadavéricos, relatórios do IML e notícias da mídia, constatou que essas representações levam a uma criminalização sistemática dessas pessoas. “Há uma presunção de que elas são sempre culpadas pela situação em que estão, elas não são vistas como vítimas”, criticou. Isso, explicou, cria um estigma em relação a essa população que acaba legitimando seu extermínio.

    O antropólogo conclamou todos os envolvidos no tema a fazerem uma grande força-tarefa para se posicionar contrariamente a essas representações, de modo a começar um processo de humanização, um diálogo com a sociedade que não seja esse “espetáculo do crime”. “O que acontece hoje com a população de rua é o desafio de todos que defendem os direitos humanos. O que está em jogo é o valor da vida – quais vidas devem ser defendidas e são dignas de luto e pesar e quais podem ser eliminadas. As alternativas de gestão que estão sendo construídas não podem ser violadoras de direitos humanos”, acrescentou.
























































































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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/seminario-busca-dar-visibilidade-a-populacao-em-situacao-de-rua/257140490

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