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24 de Abril de 2024
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    Segurança / Tráfico mata cada vez mais jovens em Curitiba / Paraná é modelo em cumprimento de medidas / Brasil é quinto em ranking mundial de assassinatos

    Levantamento informal revela que mais de 100 adolescentes teriam sido assassinados em 2008 na capital em função das drogas

    O adolescente Francisco* não consegue contar nos dedos das mãos o número de amigos mortos pelo tráfico de drogas em 2008. Passam de 15. Mais da metade tinha menos de 12 anos. Francisco tem 17 anos e morou até os 14 na Vila das Torres. O jovem fala do cotidiano na vila como uma guerra. "Eu me envolvi na guerra porque tinha três primos que traficavam. Nosso grupo tinha 20 meninos que ficavam direto no movimento, mas tinha outros cem que participavam de vez em quando." A Vila das Torres é dividida em grupos rivais que literalmente guerreiam pelo espaço de venda de drogas. Francisco conta que, às vezes, durante a noite, formavam-se os "bondes", um miniexército de jovens armados que acerta contas com outras gangues. É aí que ocorriam as mortes.

    O relato de Francisco faz parte de uma realidade contabilizada pela Vara do Adolescente Infrator de Curitiba. A equipe, incluindo a juíza, assistentes sociais e psicólogos, faz um levantamento informal sobre o número de jovens curitibanos que passaram pela vara e morreram no tráfico de drogas. Os dados significam quase um adolescente morto a cada três dias somente na capital. Desde que o levantamento começou, no fim de 2005, os números vêm crescendo. A média tem ficado em 60 mortes por ano, mas em 2008 o número pode ter passado de 100. "Como é uma pesquisa informal, o número pode ser maior", diz a juíza Maria Roseli Guiessmann.

    Quem comanda o levantamento é a psicóloga Sylnara Borges. "É como se os jovens não tivessem chance de sair das drogas", diz. Outro fator que pode ampliar o resultado final e piorar as estatísticas é que esse número corresponde somente aos adolescentes que estão cumprindo medida socioeducativa em regime aberto. São aqueles que cometeram infrações leves, sem ameaça à vida, e estão em liberdade assistida. Não entra na conta quem cumpriu medida em regime fechado e já saiu e nem os jovens que nunca tiveram passagem pela Vara do Adolescente Infrator. "Por isso os dados são relativos", explica a psicóloga. Sylnara diz que parte das mortes ocorreu pelas dívidas com o tráfico, quando os jovens são só usuários, e em função do envolvimento direto com a atividade ilícita.

    Números do Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros, organizado pelo pesquisador Júlio Jacobo Waiselfisz, mostram que em Curitiba o número de homicídios juvenis saltou de 239 em 2002 para 382 em 2006. É um crescimento de quase 60% em apenas quatro anos. Apesar de estar longe de índices como os do Rio de Janeiro e de São Paulo, a capital paranaense esteve na contramão de algumas metrópoles do país. Desde 2003 houve uma diminuição no número de homicídios juvenis em algumas das cidades mais violentas. Em Curitiba, o número aumentou.

    Crack e maconha -

    O coordenador do Centro de Socioeducação (Cense) de Curitiba, sociólogo Francesco Serale, traz outro dado alarmante. Em 2008, 2.972 adolescentes passaram pelo Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Infrator (Ciaddi). Desses, 80% admitiram fazer uso de drogas. Mas Serale afirma que o porcentual chega a 95%. "Muitos não gostam de contar, porque acham que pode haver implicações com o Judiciário depois." O crack e a maconha são as principais substâncias utilizadas. "Esse é o grande motivo para os atos infracionais: sob o efeito da droga, eles não têm consciência e responsabilidade sobre os atos", diz o sociólogo. Serale relata que, se por um lado o número de jovens se mantém constante, o que preocupa é o aumento da gravidade das infrações. "Antes era difícil até haver arma branca. Hoje o número de armas de fogo que chegam com os jovens é muito grande."

    Um dos primos de Francisco está preso, mas os outros dois continuam "na ativa". A mãe dos garotos foi assassinada pela gangue rival. Hoje Francisco é um adolescente como qualquer outro. Faz aulas de canto e violão e sonha ser cantor. Lucas*, um de seus amigos, também teve envolvimento com o tráfico. Morava com a mãe, que deu 8 de seus 11 filhos. Lucas tinha de cuidar dos dois irmãos menores. Aos 13 anos, escolheu o caminho mais fácil para trazer comida para dentro de casa. Só decidiu sair do "movimento" quando seus dois melhores amigos foram mortos.

    · Nomes fictícios

    Paraná é modelo em cumprimento de medidas

    Apesar dos números negativos sobre o homicídio juvenil na capital, o Paraná é considerado modelo quando o tema é cumprimento de medidas socioeducativas. Em outubro do ano passado, a Secretaria de Estado da Criança e da Juventude (SECJ) foi a vencedora da 3ª edição do Prêmio Socioeducando, organizado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH) e organizações das Nações Unidas. O estado foi considerado exemplo de boa prática ao garantir condições adequadas para que adolescentes em conflito com a lei cumpram as medidas em regime fechado.

    Para 2009 estão previstas a inauguração de mais 2 Centros de Socioeducação (Censes), chegando a 20 unidades em todo o estado. É nesses locais que jovens que cometeram atos infracionais cumprem as medidas estabelecidas no Estatuto da Criança e do Adolescente . O tempo de internação pode variar de seis meses a três anos de acordo com a gravidade da infração. Em função do grande número de Censes, o Paraná é um dos poucos estados no país que não tem problema com a superlotação. Ano passado, 1.104 adolescentes foram atendidos no total; a maior parte tinha 17 anos e o maior motivo de apreensão foi roubo.

    O coordenador estadual de socioeducação da SECJ, Roberto Bassan Peixoto, diz que as equipes que trabalham nos Censes são compostas por pedagogos, psicólogos, assistentes sociais, professores e educadores. Os profissionais passam por treinamentos constantes. Além disso, há Planos Personalizados de Atendimento, elaborados pelos profissionais da equipe, família e os próprios jovens. São metas e objetivos que os jovens se comprometem a atingir, como a melhora da convivência e ingresso em cursos profissionalizantes.

    Há cerca de quatro anos, a realidade dos adolescentes em conflito com a lei começou a mudar no estado. Em 2004, uma rebelião no Cense São Francisco resultou na morte de sete jovens. A juíza Maria Roseli Guiessmann afirma que a mudança é um esforço conjunto da SECJ, do Judiciário e do Ministério Público.

    "Além da melhora dos locais de internamento, também há a ampliação das medidas em meio aberto, como a liberdade assistida." (PC)

    Brasil é quinto em ranking mundial de assassinatos

    O pesquisador Julio Jacobo Waiselfisz afirma que a provável causa do aumento do número de homicídios juvenis em Curitiba é o narcotráfico, seguindo uma tendência nacional. O Brasil ocupa a quinta posição mundial entre os 83 países onde há dados sobre a morte de jovens. "Quando comparamos o número de homícidios totais com os juvenis, vemos que em Curitiba há uma discrepância", afirma Waiselfisz. A capital paranaense ocupa o 206º lugar no ranking de homícidios totais. A posição sobe para 104º quando só se compara a morte de jovens. "Há uma cultura da violência muito grande, aliada ao narcotráfico, contrabando e ampla circulação de armas de fogo", analisa o pesquisador.

    Como saída para a violência, Waiselfisz afirma que não há melhor mecanismo de inclusão do que a educação. "O jovem tem uma crise de futuro e falta de perspectivas. Não é por acaso que o tráfico de drogas está recrutando adolescentes cada vez mais novos. Precisamos de educação e políticas específicas para a juventude."De acordo com o pesquisador, dados mostram que há no país quase 7 milhões de jovens ociosos, que não trabalham nem estudam.

    A socióloga Miriam Abramovay, coordenadora de pesquisa da Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana (Ritla), lembra que, quando o jovem entra no mundo do tráfico de drogas, é muito difícil sair."Ele cria um compromisso com um grupo e literalmente tem contas a pagar. Isso, aliado à falta de escolaridade e de profissionalização, gera um pensamento de que é melhor viver pouco, mas viver bem, com dinheiro."

    A socióloga e professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Ana Luíza Fayet Sallas acredita que são necessárias mais estatísticas sobre a relação entre os jovens e o tráfico de drogas. "É preciso apurar a causa das mortes, senão só se reproduz o estigma. As pessoas pensam 'se morreu em função do tráfico, deixa para lá' e esse tipo de morte acaba se tornando rotineira e banal." Ela lembra que a sociedade se comove com crimes cometidos contra crianças e jovens de classe média, mas esquece que eles ocorrem todos os dias em comunidades carentes. "Alguém viu uma passeata de protesto sobre a morte desses jovens? Alguém sabe o nome deles? Eles são só os viciados, os traficantes. É preciso perguntar o que está por trás disso."

    Desafio -

    A diretora executiva do Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente (Ilanud), Paula Miraglia, especialista em segurança pública e justiça penal, afirma que a aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente ainda é um desafio para o Brasil. Ela diz que, apesar de o país ter uma das legislações mais avançadas do mundo e um debate amadurecido sobre a infância e juventude, ainda não diminuiu a morte de jovens. "A América Latina e o Brasil em especial têm em comum um número exorbitante de violência letal contra adolescentes." Francesco Serale, diretor do Cense Curitiba, diz que os jovens brasileiros morrem no silêncio e no anonimato. "É um exército de gente morta todos os fins de semana e nos assustamos com a guerra no Oriente Médio." O coordenador da organização não-governamental Meninos de 4 Pinheiros, Fernando Francisco de Goes, que trabalha com crianças e adolescentes em situação de risco, diz que a sociedade está perdendo a batalha para o tráfico de drogas. "É um drama. São famílias inteiras desestruturadas pela droga. O tráfico cresce em um ritmo que as políticas públicas atuais não são capazes de acompanhar." Mesmo sendo uma referência das Nações Unidas quando o assunto é infância vulnerável, a ONG tem inúmeros exemplos de batalhas perdidas. São meninos que perderam a infância e a adolescência para pegar em armas e aprender desde cedo a contar buchas de crack. "A sociedade civil organizada não consegue fazer tudo sozinha. Precisamos de ajuda", diz Goes. (PC)

    Fonte: Gazeta do Povo

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